VETERANOS E VIGILANTES:
ENTRE O RECONHECIMENTO E O ABANDONO –
UM RECORTE HISTORIOGRAFICO
É lugar comum na historiografia militar, abordagens memorialistas e monumentalistas, sobre: táticas, campanhas, batalhas e biografias de generais e comandantes, no entanto ao buscar como objeto de pesquisa novos personagens, que vivenciaram em seus cotidianos, conflitos e arranjos, que modificaram suas vidas e suas maneiras de interação com a sociedade, venho buscar uma nova abordagem sobre a temática. É nesta perspectiva de “nova historia militar” [1] que proponho analisar a Formação da Associação dos Ex-combatentes da Secção da Região Cacaueira.
Com efeito, a produção historiográfica sobre os Ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, pode ser vista em Três Fases [2] que, integrantes de seus contextos indicam recortes deferentes sobre o tema. Estas obras são relevantes e cabe citá-las. Na primeira fase (de 1946 a 1964) os livros memorialistas de Carlos de Meira Mattos: O marechal Mascarenhas de Moraes e sua época; a coletânea: Depoimentos de oficiais da reserva; o livro A Serviço do Brasil na Segunda Guerra Mundial, do General Antonio de Carvalho, tecendo com veemência críticas na relação do Brasil com os Estados Unidos e a obra de Manoel Thomaz Castelo Branco, O Brasil na Segunda Grande Guerra, buscam uma história total sobre os diversos aspectos da FEB (recrutamento, transporte para Itália, confrontos e retorno) e em biografias, ressaltam os dilemas vividos no front. Contudo o soldado é apresentado como uma estatística, números de um acontecimento dramático, nestas obras são recorrentes a valorização da estrutura política para responder as necessidades da guerra e do próprio jogo de poder dentro do exército. Nesta perspectiva historiográfica meu objeto de pesquisa não ganha eco frente às recordações de oficiais e conjunturas políticas nacionalizantes, privilegiando o episódico e o particular, aproximando-se de uma historiografia militar entrelaçada a história política tradicional[3]. Neste tocante vale perceber que esta produção estava sendo realizada nas casernas e muitas vezes por particulares.
Na segunda fase (período da ditadura militar) o marechal Floriano de Lima Brayner deu sua versão em “A Verdade Sobre a FEB” (Civilização Brasileira, 1968) revelando uma crítica audaciosa, deste chefe do Estado Maior da FEB, explicitando uma fragmentação ideológica e política dentro da alta cúpula do Exército, em plena ditadura militar. Este livro segundo o Dr. Dennison de Oliveira, docente da Universidade Federal do Paraná, foi banido da Bibliex e constitui-se em um dos documentos mais raros para consulta. Outro livro de importância no período Destacou-se por mostrar uma versão econômica para a participação do Brasil na Segunda Guerra, do General Otávio Costa, em 1975. Estas obras, ainda de cunho memorialistas indicavam a supremacia econômica sobre o político e conseqüentemente na aparecem qualquer influência dos aspectos culturais, nas relações dos expedicionários e sua recente vida militar, assim estas obras também são marcadas pela inexistência de pessoas simples que compuseram a FEB.
Na terceira fase, a redemocratização tem uma importante significado, não apenas para o estudo da FEB, que até a década de 1980 ficou exclusivamente a cargo de pesquisadores militares, como de toda representatividade militar na história política do país. Neste contexto novas concepções historiográficas também devem ser mencionadas como formador de novos horizontes para a historiografia militar, como a Nova História Social, Nova história política, a história vista de baixo, a micro-história... Neste contexto minha pesquisa encontra base teórica para aprofundar analises além de encontrar voz em meio às tantas produções sobre a temática.
As discussões sobre FEB vêm ganhado vulto e importância no meio acadêmico em todo o país, fator que nos leva a pensar a própria formação do Exército enquanto instituição forte e centralizadora do poder político, neste tocante Franck McCann, autor de Soldados da Pátria, remonta esta trajetória com um recorte de 1889 a 1937 cuja contribuição indica quão integrados a política o exército tornou-se e como deixou sua condição de “guarda pretoriana” [4] como podemos observar na militarização do Nordeste Brasileiro e na imposição Interventores mais rígidos e “fieis as causas militares” [5]. O panorama histórico sobre a formação da FEB pode ser observada nas obras supracitadas como o Marechal Mascarenhas de Moraes e sua época, e vale apena lembrar também a obra: FEB doze anos depois, do Major Elber de Mello Henriques, cuja crítica ao recrutamento é ponto forte de sua narrativa:
“infelizmente, o entusiasmo guerreiro das ruas não tomou o caminho dos quartéis. Foi inexistente o voluntariado. Os apelos das autoridades militares, chamando para as fileiras da tropa expedicionária a todos os homens aptos, ficaram sem eco entre as elites mais expressivas. Oradores de comícios de véspera, chamados à incorporação alegaram, ao apresentar-se que se achavam amparados por dispositivos legais que isentavam de servir ao exército. E assim a força expedicionária brasileira teve de ser organizada com a juventude pobre do Brasil” [6]
Franck McCann e José Murilo de Carvalho, em Forças Armadas e Política no Brasil, fazem uma abordagem que revela a interação do exército com o agir político e social do Brasil. Esta proposta de nova historia militar, também percebida e compilada na obra Nova História Militar Brasileira, organizada por Celso Castro, Vitor Izecksohn e Hendrik Kraay apresenta-se como forte referencial, buscando em cada capítulo a valorização do cotidiano, da sexualidade, da interação cultural, dos dramas pessoais de atores que até então eram ofuscados pelas estrelas das patentes consagradas como elite, em meio a uma categoria composta esmagadoramente de pessoas simples, de baixo poder aquisitivo. Nesta conjuntura a busca por estudos sobre a FEB ganhou espaço nacional e a fragmentação de objetos de pesquisa, foi redimensionada, aparecendo não apenas as antigas “exposição” da memória, mas também analises de memórias através de técnicas da história oral, analise de correspondências, recorrendo a técnicas da analise do discurso; analise de imagens como postais, fotos, propagandas, jornais... Um infindável manancial de fontes e métodos que desde a década de 1990 vêm sendo utilizado por pesquisadores como o doutor em história pela USP, Francisco César Ferraz, autor de livros, artigos e capítulos sobre a temática, fazendo uma analise minuciosa em sua tese de dourado, sobre a legislação dos Ex-combatentes e tornou-se um dos pioneiros em perceber as suas Associações como elemento de luta e identidade social de um grupo que apesar das décadas, ainda têm forças para lutar pela preservação de suas memórias. Entre estes pesquisadores destaca-se também o Doutor, Cesar Campiani Maximiano, cuja tese defendida na Universidade de São Paulo, trabalhou com afinco as memórias de guerra, com fontes inéditas de ex-pracinhas e oficiais da FEB. Neste processo encontrei um gama de trabalhos sobre Febianos, no que concerne a expedicionários que foram para a Itália.
No entanto o conceito Ex-combatente[7] ainda esta entrelaçado a padrões oficiais, fator que através das Associações estão sendo polemizados com divergências entre “veteranos” (aqueles que foram para o front na Europa) e “praeiros[8]”. Este lócus é espaço político de reivindicações onde se articula o social e sua representação, neste tocante percebo os associados como um grupo cuja representatividade política engendra apoios e concessões, onde a experiência coletiva se enraíza e se reflete daí o surgimento de um conflito interno que pretendo estudar, analisando se as divisões internas enfraqueceu o grupo, bem como as Associações beneficiaram-se dos dispositivos legais e neste aspecto outro ator que até então não aparece na nova historiografia, o Vigilante do Litoral, desperta-me um interesse particular, pois sua representatividade não é citada nas obras elencadas a cima, doravante a legislação do Ex-combatente abraçou a causa dos febianos, deixando nas trincheiras do abandono os aproximadamente cem mil vigilantes do litoral, e este é o meu ponto de partida para analisar uma categoria esquecida pelos governos em detrimento de um grupo, que foi para a Itália, mais que igualmente aos irmãos de armas que ficou no Brasil, vieram das camadas pobres da sociedade.
As obras sobre os ex-combatentes serão de grande valor, pois indicam métodos, fontes e perspectivas de trabalho bastante amplo, de maneira que trabalhos com os de Cesar Campiani Maximiano, Celso Castro, Francisco César Ferraz e Franck McCann despontam como obras inovadoras que interagem o ser soldado ao seu conjunto de significantes, combinando em aspectos interdisciplinares que como a prosoprografia, imaginário político, surgimento de mitos, em uma dinâmica que cada vez fragmenta os objetos de estudo, o que me anima a pesquisar sobre os vigilantes, as associações e os veteranos, nesta ligação que apresenta uma pluralidade memórias, de representações e interações com sociedade, revelando um novo olhar sobre a história militar, que ainda sofre preconceitos no meio acadêmico, que com desconfiança ainda nos relacionam à velha história política e a historia militar tradicional que a esta historiografia esteve entrelaçada, a exemplo da utilização de conceitos ultrapassados como fora utilizado por Carl Von Clausewitz (teórico militar prussiano): “Guerra é a continuação da política por outros meios”, no entanto esta desconfiança, pautada na repetição de métodos da historia militar tradicional, acabou ignorando os movimentos da nova concepção histórica que desde de o começo do século XX vêem apresentado modificações tal qual sinaliza o, historiador militar norte americano John Keegan, que percebe a historia militar integrante de um conjunto cultural e imerso em todas as articulações sociais, não apenas no contexto político.
“as guerras, inclui-se aí a Segunda Guerra Mundial, como dependente de uma construção cultural e imaginária, que permeiam o cotidiano do soldado, verificando-se que o motivo que eleva a capacidade combativa do militar ultrapassa a necessidade pecuniária, e suas razões não podem ser comparadas a dos chefes de Estado” [9].
[1] Relacionamento da interação das ações militares aos fatores econômicos, políticos, e culturais onde oficiais e soldados estão emersos. Esta construção historiográfica surgiu em nos EUA no começo do século XX e que vem sendo reelaborada no Brasil a partir da década de 1990, com a redemocratização política. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik. Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
[2] OLIVEIRA, Dennison de. A Força Expedicionária na História e na Historiografia. I Seminário de Estudos sobre a Força Expedicionária Brasileira. UFRJ, 2009.
[3] FERREIRA, Marieta de Moraes. A Nova “Velha História”: o Retorno da História Política. Estudos históricos. Vol. 5, nº 10. Rio de Janeiro. 1992.
[4] Condição de muleta que apenas apoiava a República Oligárquica. MCCANN, Frank D. Soldados da Pátria: história do exercito brasileiro, 1889-1937. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
[5] Não podemos afirmar fieis a Vargas, pois os militares seguiam uma lógica própria de estruturação de sua instituição, que no momento estava sendo beneficiada com o Estado Novo. In: CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005
[6] HENRIQUES, Major Elber de Mello. A FEB doze anos depois. Rio de Janeiro: Bibliex. 1959.
[7] ART. 1º - “Considera-se ex-combatente, para efeito da aplicação do ART.178, da Constituição do Brasil, todo aquele que tenha participado efetivamente de operações bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Força do Exército, da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, e que, no caso de militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente.” (LEI Nº 5.315 de 12 de setembro de 1967).
[8] Designação jocosa ao contingente, que quatro vezes maior que o da FEB[8], ficou fazendo a defesa do litoral brasileiro. In: CARVALHO, Virginia Mercês Guimarães. As guerras do Brasil. UFPE. 2009.
[9] KEEGAN, John. Uma historia da guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 442p